Textos do Rodrigo Delpupo (de Campos) para discussãoPessoal, O bate-papo hoje sobre a greve foi ótimo: 20 alunos bastante interessados que discutiram com o gente durante 3h. Muito bom. As minhas intervenções foram orientadas por três mini-textos que escrevi e que fui passando aos alunos nas últimas semanas via Facebook. O segundo desses três textos foi aquele que o Maraca já repassou no primeiro e-mail. Abaixo eles estão separados por títulos. Abraços, Rodrigo Nessa sistematização, darei ênfase a três pontos: i) como o projeto do governo diferencia os centros de excelência dos "escolões"; ii) como o modelo escolão afeta diretamente os alunos e suas possibilidades profissionais futuras (ou seja, "as possibilidades profissionais de vocês", pois Campos está no projeto "escolão"); e iii) como o projeto do governo limita a pesquisa científica autônoma (e as implicações dessa redução de autonomia sobre o projeto de país que está sendo construído). O REUNI e a criação dos "escolões"Sobre a diferenciação entre instituições, a primeira a relatar é a diferenciação entre as universidades e outros setores do serviço público que empregam pessoas pós-graduadas. Nos últimos anos o governo foi diferenciando os salários de modo que, recentemente, a categoria de professor universitário tornou-se uma das menos remuneradas entre entre pós-graduados no serviço público. Quanto a isso, alguém poderia argumentar, e com boa dose de razão, que se a reclamação é sobre a diferença salarial, então que os insatisfeitos façam concurso para essas outras áreas melhor remuneradas. Bom, esse argumento não deixa de ser verdade. E tanto é verdade que essa migração já vem ocorrendo: atualmente o curso de Ciências Econômicas de Campos tem dificuldade para preencher vagas até mesmo para o cargo de efetivo (a vaga de macroeconomia, finalmente preenchida no primeiro semestre, estava aberta há aproximadamente dois anos!); o curso de Economia da UFF-Niterói, que há anos só fazia concurso para doutores, no último ano teve, em um de seus concursos, que baixar a exigência para mestre. Mesmo estando na segunda maior metrópole do país, o curso de Niterói não conseguiu doutores. Onde estão eles? No IBGE, IPEA, BACEN e em outros vários órgãos governamentais. Se derem uma busca no google por editais de concursos dessas agências, e também de algumas outras (como p. ex o Ministério da Fazenda, INPI, ELETROBRÁS, PETROBRAS, ANCINE, BNDES), poderão fazer uma comparação. Isso só falando de efetivos. Sobre o temporário, as consequências da baixa atratividade do cargo já foram sentidas por várias turmas, que amargaram alguns meses sem professor. E como estamos próximos do Rio, a nossa situação com falta de mão-de-obra nem é a pior. As universidades do Nordeste, onde a greve é mais forte, não têm essa mesma vantagem. Agora vem a segunda diferenciação, aquela tratada especificamente pelo Maraca: a diferenciação entre universidades, separando centros de pesquisa de excelência dos "escolões" com alta carga de matérias por professor e turmas lotadas. Há algumas formas pelas quais essa diferenciação vem sendo feita, mas vou falar apenas de uma, aquela que afeta o PUCG mais diretamente, que decorre do modo como a proposta REUNI foi implantada. Em qualquer universidade federal antes do REUNI, o normal era o professor dar duas disciplinas, que têm uma complexidade que exige um tempo grande de preparação, e ter o restante do tempo voltado para pesquisa, extensão e atividades administrativas (burocracia que, no nosso caso, tendo em vista que o curso está ainda em fase de implantação, é alta até para quem não é coordenador e chefe de departamento). Os cursos implantados com o REUNI foram concebidos, em grande parte dos casos, para ter 3 disciplinas ou mais por professor, além de turmas de 60 alunos (quando o padrão era de 40 a 45). Com esse tipo de trabalho, qualquer pesquisador diria que a atividade de pesquisa ficaria bastante comprometida. Em outras palavras, o conjunto de medidas implantadas nos últimos anos vêm forçando a transformação de professores-pesquisadores em meros professores de sala de aula. E isso não deixa de ter impactos também sobre a vida de vocês, alunos: professores que não pesquisam conseguem menos bolsas de iniciação científica e de outros tipos; professores que não pesquisam são professores que não estudam, o que tem reflexos em sala de aula; professores que não pesquisam são professores menos motivados. Esse último aspecto, o da motivação do professor, não é trivial: muitos de nós só estão aqui por uma forte identificação com a profissão, mas com a profissão como era no nosso tempo de graduação, alguns anos atrás. Se esse processo ora em curso se consolidar daqui a algum tempo, isso significará uma mudança radical da profissão tal como a conhecemos, o que pode levar a uma forte saída dos professores mais qualificados e a uma entrada de professores com qualificação cada vez menor. E o Curso de Ciências Econômicas da PUCG, que tem sido mantido com razoável qualidade apesar dos vários problemas de falta de professor que datam da metade do ano passado, talvez não resista mais muito tempo e entre em deterioração. O "escolão" estará completo e talvez ainda não tenhamos saído dos conteineres e puxadinhos, que não têm nem a adequada assistência estudantil, que deveria incluir bandeijão e moradia estudantil, nem a adequada estrutura para a pesquisa e para as outras atividades dos professores. O que significa, para o aluno, ser formado em um curso REUNI, como os do PUCG?Já relatamos algumas vezes que o projeto é tornar os cursos REUNI, como os do PUCG, em "escolões". Mas o que isso significa? Que o "escolão" funciona num sistema parecido com o das faculdades particulares em geral (tirando as de ponta, claro, como as PUCs e as FGVs), acho que está claro. Mas o que parece que muitos alunos não têm muito claro é o impacto disso depois de suas formaturas. Sobre as opções de emprego oferecidas para os graduados, é um equívoco dizer que só há espaço para os profissionais bem formados, apesar de nós professores nos vermos, muitas vezes, tentados a fazer esse tipo de afirmação. Há vagas tanto para graduados bem formados, normalmente egressos de universidades públicas ou das particulares de qualidade, como para aqueles de formação mais superficial, normalmente egressos dos "escolões". Mas muda, obviamente, o tipo do cargo: enquanto o "escolão" é concebido para colocar as pessoas em subtarefas, como, no caso do curso de economia, trabalhos internos de agências bancárias e tarefas rotinizadas em geral, como supervisão de pesquisa de mercado feitas em rua etc., as universidades públicas e as particulares de ponta oferecem uma formação que dá maiores possibilidades de chegar aos cargos decisórios, como em consultorias, agências governamentais e em conselhos executivos de grandes empresas. Não é que o "escolão" privado seja só desvantagem para o aluno. Como a formação é mais superficial, a faculdade particular pode ter turmas maiores, professores de menor nível de formação e dispensar gastos com monitorias e iniciação científica, o que reduz muito os custos e oferece mensalidades mais baixas aos alunos. E isso tanto é uma vantagem que muitos alunos que vieram de fora de Campos poderiam ter se mantido nas suas cidades, gastando menos com mensalidades do que gastam atualmente para se manter fora de suas cidades. Muitos vieram para cá em busca de instituições de maior qualidade, mas a qualidade pode, em breve, entrar em processo de declínio e gerar prejuízos a vocês. Os cursos novos do PUCG estão a um ano de formar suas primeiras turmas, e agora estamos chegando num momento bastante decisivo, no qual não haverá aumento no número total de professores, o número de disciplinas ainda vai crescer e chegarão as orientações de monografia, empurrando os professores para uma carga de trabalho ainda maior. E essa maior carga de trabalho vai dificultar a oferta de disciplinas de qualidade, optativas variadas, orientação de monografias com o devido comprometimento de tempo etc. Mesmo nessa situação, muitos professores têm feito um grande esforço individual para reproduzir, aqui no PUCG, cursos com qualidade compatível com a daqueles cursos nos quais se formaram, mas a rotina de trabalho têm se tornado muito desgastante e, por isso, dificilmente o nível de qualidade vai poder ser mantido caso não haja reversão, em algum grau, das medidas adotadas pelo governo para os cursos REUNI. A realidade REUNI não é tão forte na UFRJ, e isso certamente influenciou a sua saída da greve. Mas nas universidades que aderiram a uma forte expansão com precarização, como foi o caso da UFF, os professores estão extremamente radicalizadas e com pouca disposição de deixar a paralisação. E esse é um dos motivos para uma greve tão abrangente. Se essa realidade não for revertida agora, dificilmente o será nos próximos anos. Implicações do novo projeto de universidade para o pensamento autônomo e para o atual projeto de desenvolvimento econômico de longo prazoO atual projeto de desenvolvimento de longo prazo no Brasil tem demandado redirecionamento em vários campos, entre os quais encontra-se o campo da pesquisa científica. Mas qual o sentido desse redirecionamento e quais implicações isso pode ter? A pesquisa vem sendo direcionada para áreas como, por exemplo, a das necessidades das empresas (é só lembrar do propalado discurso de aumento do financiamento privado de pesquisa). E esse é um redirecionamento importante pois, na medida em que o financiamento público de pesquisa vai sendo substituído pelo financiamento privado, os objetivos da pesquisa também vão deixando de ser públicos para tornarem-se privados. Sobre esse processo, alguém poderia julgar, aliás de modo bastante razoável, que apesar de essa articulação gerar um subsídio às empresas privadas (na medida em que elas não precisam montar seus próprios laboratórios de pesquisa), os ganhos também se estenderiam às universidades, pois elas também ganhariam recursos. Além disso, outro argumento, também bastante razoável, é que apoiar as empresas também beneficia a sociedade como um todo, pois favorece o crescimento da economia e do nível de emprego. O grande problema dessa medida, pensando apenas nos seus desdobramentos sobre o desenvolvimento econômico, é que esse projeto de desenvolvimento de pesquisa está ligado à estrutura empresarial de "hoje" (aspas para enfatizar, já que o Face não permite negritos), e não ligado a uma estrutura produtiva que poderia ser bastante diferente. Bom, qual parte da estrutura produtiva de "hoje" está em franco crescimento? O setor exportador de matérias-primas e produtos semi-elaborados. E quais as implicações disso? Destaco duas. Primeiro, a interação "universidade-empresa" nos coloca no papel de subordinados da economia mundial. Segundo, se no futuro passarmos por uma crise econômica mais forte (o que não é mera futurologia, já que crises são comprovadamente recorrentes), e essa crise futura implicar uma reorientação da economia para evitar grandes danos, serão demandadas novas soluções aos pesquisadores das universidades que, naquele momento, só terão respostas que se encaixam com o modelo anterior, já esgotado. Em outras palavras, tornar a pesquisa científica cada vez mais rígida parte da suposição que a sociedade também se mantém rígida, sem grandes mudanças. E essa é uma suposição sem nenhum fundamento e constantemente desmentida pela história, inclusive pela história recente do Brasil. O financiamento público de pesquisa garante que os objetivos sejam públicos, e pode-se definir para a sociedade um modelo não subordinado na economia mundial; e a produção autônoma de conhecimento pode garantir linhas de pesquisa diversas no lugar da pesquisa única, o que nos garante boas propostas de ação em momentos adversos. É por isso que a redução da autonomia de pesquisa ora em curso tem efeitos nefastos não apenas para os professores universitários, mas também para a sociedade num futuro um tanto próximo. Frear esse processo é um dos propósitos da atual greve. (Pus estes textos aqui de qualquer jeito porque acho que
eles são pra divulgação urgente! Depois ponho mais detalhes aqui.
E-mail do autor: Outros textos relevantes e relacionados: artigo do Simon Schwartzman (original aqui), um texto da Marilena Chauí, e o meu "Saia do seu quadradinho". |