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2017-v

https://mail.google.com/mail/ca/u/0/#inbox/15eee7577480de62

Eduardo:
Oi Valéria, tudo bem?
Eu queria te perguntar umas coisas...
Se você achar que eu posso me avisa que eu te mando outro e-mail mais tarde ou amanhã.
  Beijos, E.



Valeria 3:
Oi Eduardo, tudo bom. E você? Claro que você pode me escrever, sempre, quando você quiser.
Beijos,
Valeria



Eduardo:
Opa, obrigado!
Vou tentar escrever, então.

Quando eu penso no que aconteceu entre a gente eu invento uns termos
(isso é inevitável, né?), e uso os termos "Valeria 2" pra você no
nosso último ano juntos, e "Valeria 3" pra você depois que a gente se
separou.

Eu não sei praticamente nada sobre a Valeria 3, e considero que eu não
soube lidar direito com a Valeria 2 - por exemplo, eu não entendia
direito de quais coisas do passado você estava tentando se afastar, e
eu tentava interferir em tudo com uma falta de jeito total.

Algumas coisas que você me disse quando era Valeria 2 bateram em
fragilidades minhas muito grandes que eu não entendia direito, e que
eu tenho tentado "entender"... na verdade "entender" não é o termo
mais adequado; talvez seja mais pra "tentar botá-las em palavras",
"tentar montar historinhas sobre elas", "tentar trazer pra
superfície", "tentar torná-las mais conversáveis", porque acho que
essas fragilidades têm a ver com coisas que aparecem repetidamente nos
ataques de pânico que eu tenho tido com frequência nos últimos anos, e
eu ando tendo que acessar o "conteúdo" desses ataques de pânico,
porque eles não passam sozinhos, e esquecê-los e ignorá-los não
adianta.

Vou contar duas coisas/imagens que têm vindo à superfície.

1) Quando eu era pequeno eu odiava tudo que era físico e queria não
   ter corpo (como o meu pai). Aí lá pelos 10 ou 11 anos eu comecei a
   ver que isso não funcionava e que os meus bloqueios emocionais
   estavam me aleijando, e lá pelos 13 anos veio a puberdade e eu
   comecei a ter muito, muito, MUITO nojo de mim mesmo - mais nojo até
   do que a grande maioria das pessoas trans pra quem eu já perguntei
   se passaram por algo parecido - e aí a minha relação com o meu
   corpo ficou muito pior. A pior coisa era a minha energia sexual,
   que era algo ansioso e sujo e compulsivo, e era impossível alguém
   gostar de mim daquele jeito e me ajudar a me detestar menos; eu
   tive que fazer o trabalho de tirar essa carga de ansiedade e
   sujeira dela sozinho, e só lá pelos 21 anos eu consegui fazer isso
   o suficiente, e reduzir esse nojo o suficiente pra eu próprio
   conseguir gostar de mim. Eu não tenho memórias de quando eu era
   bebê, e quando eu acesso memórias sobre o meu corpo no passado eu
   caio ou na criança feita de bloqueios e medos ou no adolescente
   desesperado de horror a si mesmo. É como se eu fosse uma pessoa
   construída sobre os escombros de outra.

2) O meu pai vivia me chamando de dois apelidos "ofensivos de
   brincadeira": "pulha" e "parasita". Até poucas semanas atrás eu
   nunca tinha pensado no sentido de "pulha", e a Beth me disse pra
   olhar no dicionário; a partir de alguns significados do dicionário
   e de montes de associações livres eu vi que "pulha" significava -
   pra mim - "fraco" e "farsa", e alguém que se FINGE de fraco pra
   receber apoio e proteção... A cena mais recorrente de todas nos
   meus ataques de pânico é a de que não importa o quanto eu me
   esforce pra ser correto e pra criar situações em que todas as
   pessoas possam ter as suas vulnerabilidades respeitadas, SEMPRE vão
   mostrar que eu sou uma farsa e eu mereço porrada - e isso se
   mistura com a coisa do item 1: SEMPRE vão mostrar que eu sou um
   canalha, que "lá no fundo" as minha intenções são sujas, o
   "verdadeiro eu" é o adolescente com pensamentos sexuais caóticos,
   não importa nada se eu próprio morria de nojo de mim mesmo, me
   desesperava com aquilo e fiz tudo o que deu pra construir um outro
   eu - que eu queria que fosse "mais verdadeiro" - sobre aquele;
   SEMPRE vão mostrar que eu sou o canalha mentiroso que só usa as
   pessoas, mas se faz de vítima e de santo.

Dxô tentar agora fazer as perguntas.

Quando a gente se encontrou na sua casa nova pra conversar eu te
perguntei se você ainda tinha certeza de que eu dou em cima de todo
mundo - e você disse que sim. Quando a gente se encontrou na Travessa
e eu tentei te perguntar umas outras coisas sobre como você via "hoje
em dia" (isto é, na época do encontro) umas coisas que você tinha dito
nas nossas últimas brigas bem no final do tempo em que nós estávamos
juntos, você disse "passou, esquece". Bom, eu estava é tentando fazer
com que as coisas "passassem" pra mim - eu estava tentando fazer com
elas parassem de se repetir a toda hora na minha cabeça nos meus
ataques de pânico, como as coisas acima.

Acho que eu entendi - há pouco tempo atrás - que como nunca houve nada
como nenhuma espécie de pedido de desculpas seu (exceto uns bem
pequenininhos), ou nenhuma disposição de conversar sobre as coisas que
a Valeria 2 disse no final, então nas minhas paranóias é como se tudo
continuasse valendo com 100% da força; sempre me voltam ecos de você
dizendo que eu dou em cima de todo mundo, que eu sou um mentiroso
canalha (<- termo meu) que só usa as pessoas, etc etc etc, como eu
expliquei lá na carta colorida, e é como se você quisesse que isso
continuasse ecoando na minha cabeça pra sempre - a moral da história é
que não importa quanta força eu faça pra mudar ou pra ser alguém que
presta, é pra eu continuar me lembrando sempre de que não adianta, e é
pra todo mundo saber que não adianta, que no fundo eu sou tudo isso
etc etc etc.

É isso mesmo? Em que grau?

Desculpa te perguntar tudo isso, eu sei que o "normal" é as pessoas
esquecerem e superarem tudo rapidíssimo, mas eu nunca aprendi direito
a "esquecer" e a minha vida pessoal tem sido uma bagunça total nos
últimos anos, com umas depressões brabas, depois tratamento hormonal,
depois eu desistir de ativismos e militâncias, etc.

  Obrigado, beijos...
    E.


P.S.: desculpa alguns parágrafos serem fortes demais - tem coisas que
a gente só consegue escrever se a gente acessa o ponto que mais nos
dói e escreve de dentro dele. Eu não sou desse jeito sempre.

P.P.S.: não preciso nem dizer que é pra você ficar à vontade pra
escrever/perguntar/falar o que quiser, né.








Valeria 3: "oi Eduardo, bom dia, 
  Li o teu e-mail, vou te responder mais tarde com calma, pode ser?
  bjjs!"


Eduardo: "ok, bjs! =)"


Valeria 3: "Oi Eduardo,

Andei pensando no que você escreveu, acho que a melhor maneira que eu
posso te responder é te contado que as minhas questões, as questões
que se colocam para mim na vida em relação às pessoas, ao que eu faço,
aos meus limites, ao meu desejo, eu trabalho na minha análise, é o que
tenho feito, é o que tem sido melhor para mim. Um bom caminho.

Beijos, 
Valeria"


Eduardo: "Sim, parece bom.
Pode contar sim, quero ouvir.

Mas alem disso o meu e-mail tinha uma pergunta la' perto do final que
permitia uma resposta simples - que e' se voce considera que todas as
coisas bem pesadas que voce disse no final do nosso tempo juntos
continuam valendo...

  Beijos,
    E."


Valeria 3: "Oi Eduardo,
Não para mim.
Beijos,
Valeria."


Eduardo: "Ficou meio ambiguo...
"Nao pra mim" pode querer dizer ou "nao acho a pergunta simples" ou
"as acusacoes que eu fiz nao continuam valendo 100%"...
  =/,
    E."


Valeria 3: "Pode ser,
bjjs."


Eduardo: "Vish"


Valeria: "escolhe..."


Eduardo: "Pois e'"


Eduardo: "Ah, uma pergunta: porque?"


Valeria 3: "Oi Eduardo, lê de novo meu primeiro e-mail, por favor,
onde te respondi dizendo que, para mim, o melhor lugar para trabalhar
as minhas questões com o mundo, com as pessoas, com os meus medos, as
minhas angústias é na análise. Talvez, a análise possa, para você
também, ser este lugar.

Carinho e bjjs,
Valeria"


Eduardo: "Ah, achei que voce tinha dito que ia contar coisas sim, e ia
se referir bastante a coisas que voce descobriu na analise."