E-mail pra Valeria
Apesar de que as palavras falseiam as coisas (e só restam as cores e os sons) eu preciso pensar sobre as coisas e às vezes me vale a pena começar com simplificações TUDO QUE ERA SEXUAL ERA SUJO PRA MIM talvez eu tenha herdado os bloqueios com o corpo da minha mãe, que é cria de colégio interno católico, e do meu pai, que queria ser só cabeça pra não entrar em contato com as memórias e emoções guardadas no corpo Eu queria ter mais relatos de pessoas com vivências parecidas com as minhas... As pessoas com histórico de que tudo do corpo é sujo e pecado são quase todas mulheres de famílias religiosas Na adolescência isso virou o caos - (*) eu tinha flashes de pensamentos pornográficos com frequência e necessidade de me masturbar uma vez por dia pros pensamentos não ficarem ainda piores e mais descontrolados e eu odiava tudo isso, eu pensava muito em me castrar e me matar as possibilidades de salvação eram vagas, e a melhor linguagem pra falar delas é a dos príncipes encantados [link: http://angg.twu.net/s-c-r.html#princesa ] [link: http://angg.twu.net/s-c-r.html#principe-encantado ] (*) Isso é hormonal sim, quando eu comecei a tomar o bloqueador de testosterona parou Eu sempre lutei muito pra deixar de ser sujo. Quando eu era junky de psicodélicos eu tinha instantes de telepatia. Quem tivesse flashes de telepatia ao me ver - e todo mundo às vezes os têm em algum grau - veria em mim as coisas das quais eu mais tinha vergonha, e que eu mais queria esconder. Engraçado quanta gente tinha uma atitude meio auto-ajuda (**) em torno de mim... "esquece, sorria, tudo vai dar certo" - essas pessoas falavam como se fosse fácil de algo muito mais poderoso que o esconder - o FAZER DESAPARECER, talvez de vez (**) por exemplo a minha mãe e o meu analista farofa... e, claro, todos os homens especialistas em "lavou, tá novo" http://angg.twu.net/falta-misandria-2.html#Homens Eu passei a minha vida toda tentando ter menos nojo de mim e tentando fazer com que as pessoas não precisassem ter tanto nojo e medo de mim por exemplo, eu queria não ter nada a ver com o Daniel http://angg.twu.net/daniel-e-iniciativa.html Pra isso eu tinha que ser transparente e sensível a ponto do incômodo delas doer em mim eu tinha que parar de achar que os incômodos delas eram frescura, e que os meus incômodos eram frescura também Aliás, sabe uma coisa que eu aprendi? É que quando eu tenho uma paranóia ou um pensamento recorrente durante 1000 ou 2000 horas então é hora de parar de tratar aquilo como besteira e passar a tratar como um problema prático que exige cuidado e que - como uma perna quebrada ou algo assim - não é pra esconder Uma dessas paranóias ou pensamentos recorrentes é você me dizendo que eu dou (ou dava?) em cima de todas as garotas, que eu quase como elas com os olhos que eu sou sujo por dentro, que o que importa é o que tá lá no fundo de mim, os restos dos pensamentos descontrolados testosterônicos da adolescência de quando eu próprio me sentia imundo e tinha nojo de mim e me escondia e me afastava e não chegava perto de ninguém porque eu era como que radioativo e eu queria que as pessoas vissem que eu estava tentando não contaminá-las e que eu não sirvo pra você e que eu te enganei fingindo que eu prestava e que eu mereço porradas que me deixem mal durante anos ou talvez até pra sempre e que todo o meu trabalho de limpar aquela sujeira dentro de mim - e até ser transparente sobre ela, não vale nada, NÃO EXISTE Eu sei que você diz "eu nunca disse isso" ou "eu nunca usaria esse termo", mas eu preciso de termos curtos pra pensar sobre coisas recorrentes, memórias que se repetem, mesmo que sejam termos _meus_ e um bom termo é que você me tratou como um CANALHA "...sublinhando todo o longo caso estava uma profunda compulsão pela repetição, termo que Freud usava para descrever a necessidade de representar mais uma vez experiências dolorosas a fim de dominá-las." (Helen MacDonald - "F de Falcão", p.159) [Acho que vale a pena discutir pedofilia junto com outros assuntos. Primeiro: homens podem brincar com crianças? Eu, e, imagino, várias outras pessoas daqui também, crescemos num mundo onde as atividades eram estritamente segregadas, e tudo que envolvia carinho e conforto era proibido aos homens, que deviam se treinar desde cedo pra viver num mundo de dureza, onde tudo era utilitário. Aí a gente cresce, se revolta contra isso, muda de mundo, e chega num mundo onde alguns caras têm uma carteirinha - invisível - que os autoriza a brincarem com crianças: os que tiveram que cuidar de irmãos menores, os que moram há anos em comunidades hippies onde todos os adultos cuidam das crianças, os que casaram e cuidaram dos próprios filhos biológicos desde bebês... estes últimos com uma ressalva: talvez a carteirinha só valha se todo mundo sabe que o casamento deles vai bem e a energia sexual deles está toda indo na direção certa...] (^ De uma discussão num grupo do Facebook, 1/jun/2016) EU NÃO PODIA FALAR NADA DE LGBT PRA VIOLETA Há um ano atrás eu pedi pra minha mãe dae uma olhada num livro chamado "Reflexões Sobre a Questão Gay", do Didier Eribon, biógrafo do Foucault, e foi só aí que ela viu que ser gay (ou "LGBT", ou "não-hétero") não é _só_ atração por pessoas do mesmo sexo, ou _só_ isso, ou _só_ aquilo, são um mooooooonte de vivências conectadas, envolvendo lidar com injúrias, segredos, modos de estabelecer relações - de amizade, de confiança e outras -, jeitos de demonstrar interesse, jeitos de se colocar dentro das hierarquias sociais... Eu fico dizendo - pra mim mesmo, em geral - que eu tou funcionando em "modo de emergência", e é por isso que eu agora evito ver quase todas as pessoas com as quais antigamente eu convivia normalmente, deletei amigos próximos, fico com a Selana o quanto eu posso, e durmo muito... Há uns dois meses, numa conversa com a Márcia, eu tentei contar pra ela a situação mais traumática que eu já passei, que foi em 2002 e me deixou pânicos que perduram até hoje... A Márcia me cortou, disse que era um absurdo eu me lamentar e me fazer de vítima naquela história, que eu é que tinha sido ingênuo e sem noção, que a culpa do que aconteceu era toda minha... Na hora eu respondi de forma relativamente controlada, mas nos dias seguintes mandei uns e-mails contando como eu tinha ficado puto, e acabou que ela se justificou mas não se desculpou... Eu me afastei dela. O meu modo de emergência disse: "não tou podendo conviver com gente assim agora", e depois ele disse: "eu NÃO PRECISO MAIS aguentar certos tipos de ESTUPIDEZ"... Eu tento muito não ser "a pessoa estúpida da qual a gente tem que se livrar"... quando eu piso em algum calo que eu não sabia que existia - o que não é raro - eu me desculpo, e tento aprender onde esse calo fica e como ele dói pra não pisar nele nunca mais... Eu fiquei _muito impressionado_ da Márcia não querer se desculpar, só querer dizer que o meu calo é frescura - se eu fizesse isso eu só teria amigos ômis, pros quais quase tudo é frescura... Ao longo da minha vida eu ouvi zilhões de vezes coisas como "você pensa demais", e "ai, deixa isso pra lá"... Depois que eu entrei em modo de emergência eu assumi que ouvir essas coisas me dói, e tentar responder e não ser entendido dói também... Eu sempre vivi aqui no Rio cercado de faixas-pretas em esquecimento, em "não complica", em deixar pra lá, em "a fila anda" e em "lavou, tá novo". O grande treino da adolescência era ficar bom nessas coisas - mas, como em qualquer arte marcial, algumas pessoas têm muito mais aptidão que outras. Eu era considerado fresco maricas preguiçoso viado incompetente ajeijado por não ter aprendido essas coisas que eu precisava. Agora - em modo de emergência - eu evito gente que é boa em esquecer... essas pessoas 1) Não entendem porque eu estou gastando tanta energia pra faxinar coisas do passado, e 2) Elas podem fazer coisas que me dóem muito e a) achar frescura eu me incomodar, b) exigir que eu esqueça tudo que elas fizerem... Das duas últimas vezes que a gente se viu eu tentei descobrir como você entendia hoje em dia o nosso período final Tem coisas que você dizia no período em que a gente tava brigando muito que ainda ecoam na minha cabeça, é DESESPERADOR Os termos que você usava variavam, a intensidade do que você dizia também, e eu nunca conseguia saber se as coisas que você dizia eram pra sempre ou se só valiam durante a briga, mas A GENTE NÃO TEM ACESSO ÀS SUAS MEMÓRIAS DAQUELE TEMPO - você já disse que tem pouco acesso a elas e não entende o que aconteceu, e eu não tenho acesso nenhum - E você diz "Esquece, passou", e é pra eu sentir ridículo por eu ainda precisar entender (e repensar) o que aconteceu Além de canalha e mentiroso eu era um pervertido ou no sentido freudiano ou no cotidiano, não sei; e alguém que iria dizer, ou fazer, coisas inconvenientes com a violeta - talvez um pedófilo [que perigo um homem assim dentro de casa] E você disse que não queria ser minha AMIGA e disse que eu tava com você porque você me era ÚTIL e que eu só queria transar com você Eu tou até hoje pensando nos significados de "AMIGOS", "NAMORADOS" e "AMIGUINHOS", e pensando de onde vêm os namoros se não de amizades, e o que sobra dos namoros quando a gente remove a amizade por baixo, e como é que namoros sobrevivem a tempos difíceis se é proibido ter amizade como alicerce e eu sou o idiota retardado espírito de porco incompetente covarde mimado aleijado emocional que nunca aprendeu o sentido desses termos que todo hétero sabe ...e eu sei que hoje em dia os meus amigos não são as pessoas com as quais eu posso conversar banalidades, são as pessoas com as quais eu posso conversar sobre as coisas difíceis que me envergonham, por exemplo os pensamentos ridículos como os sobre você e sobre a gente, que com você não dá pra falar por causa do "esquece, passou"... |