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Notas sobre carioquês

(2016aug22)

Notas sobre porque eu quase não puxo papo com cariocas, principalmente cariocas héteros. A linguagem está toda contaminada - tem um texto sobre isso no rrj (no 3, é o de 23/nov/2006). "Sair com" quer dizer "trepar com", "dormir com" quer dizer "trepar com", "ter interesse por [pessoa]" quer dizer "estar sexualmente interessado na [pessoa]". Quem ignora possíveis duplos sentidos sexuais em frases ou possíveis segundas intenções sexuais é visto como ingênuo. Há uma obrigação de concisão: quando você concatena 5 pensamentos em sequência as pessoas te dizem "ih, o cara, aí, não complica, relaxa!". Se eu me aproximar de alguém a pessoa vai interpretar isso como um "vamos nos comer e nos descartar" ou um "quero pôr o seu nome na lista das pessoas que eu já peguei".

Quando a gente lê um livro passado numa vila numa ilhota do Japão em 1950 a gente não espera que os personagens se comportem com malícia carioca e chamem os outros de otários pelas mesmas coisas que aqui. Como a gente pode se comunicar com alguém no Rio de Janeiro com outros valores e numa linguagem em que as conotações de cada palavra não sejam as do carioquês? É Difícil, leva meses, quando dá.

Eu já tentei explicar que a minha necessidade de relações de confiança era tão grande que eu aprendi a ver a minha necessidade de sexo como algo muito secundário, mero ruído (FM, seções 15 e 16) - mas em carioquês o termo "confiança" também está contaminado, ele quer dizer "entre quatro paredes nós vamos agir um com o outro como animais descontrolados e tudo o que nós fizermos um com o outro vai ser segredo" (SCR, seção 3.7) ou algo como lealdade entre mafiosos (FM, seção 28).


(Links: gênero, Rape Recovery Journal, Falta Misandria no Movimento Trans)