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Meios e fins
Acho que podemos usar este trecho - da Emma Goldman (uma musa,
indireta, do movimento do Software Livre) - em discussões sobre o que
queremos pro PURO, o que significa pra gente uma "educação de
qualidade", e porque alguns grupos de pessoas insistem em pedir
transparência, enquanto outros grupos agem como se transparência
fosse algo que atravanca qualquer possibilidade de progresso, ou pior,
algo que nem faz sentido se falar sobre, e que não pode existir...
Na minha visão - tenho posto meus textos e links sobre isto aqui - a universidade (pública) é o "lugar" da
linguagem e do diálogo. O objetivo final dela é preservar e aprimorar
o conhecimento, mas, mais concretamente, isto é feito lendo,
escrevendo, pensando e discutindo - ou seja, usando, exercitando e
aprimorando o pensamento, via linguagem e diálogo. Eu gosto desta
visão porque ela me permite ver os fins e os meios da
universidade como sendo praticamente iguais.
Agora o trecho da Emma Goldman. Tradução para o Português (tirada
daqui, e aparentemente daqui; o grifo é meu):
E o grande fracasso e tragédia da Revolução Russa é que ela
tentou mudar (sob a liderança do partido político do governo) não
apenas as instituições e as condições de vida, enquanto que, ao
mesmo tempo, ignorava totalmente os valores sociais e humanos
envolvidos na Revolução. Pior ainda, na sua louca ambição pelo
poder, o Estado Comunista procurou até reforçar e aprofundar as
próprias formas que a Revolução tinha se proposto a destruir. Apoiou
e estimulou as piores características anti-sociais e destruiu de
forma sistemática a idéia já despertada dos novos valores
revolucionários. O sentido de justiça e igualdade, o amor pela
liberdade e pela fraternidade humana - bases da verdadeira
regeneração da sociedade -, tudo isso o Estado Comunista sufocou até
acabar com eles. O senso instintivo de justiça foi chamado de
sentimentalismo; A dignidade e a liberdade humanas transformaram-se
numa superstição da burguesia; o sentido do valor sagrado da vida,
que é a própria essência da reconstrução social, foi condenado como
anti-revolucionário, quase contra-revolucionário. Essa atemorizante
perversão de valores fundamentais trazia dentro de si a semente da
destruição. Com a idéia de que a Revolução era apenas um meio de
obter o poder político, era inevitável que os valores
revolucionários ficassem subordinados às necessidades do Estado
Socialista; que fossem, na verdade, explorados para aumentar a
segurança do recém-adquirido poder governamental. "Razões de Estado"
mascarados de interesses da "revolução e do povo" tornaram-se o
único critério da ação e até mesmo do sentimento. A violência, a
trágica inevitabilidade dos levantes revolucionários, tornou-se um
costume estabelecido, um hábito que foi finalmente entronizado como
a instituição mais poderosa e ideal. Pois não foi o próprio Zinoviev
quem canonizou Dzerzhinsky, o líder da sangrenta Tcheca, como Santo
da Revolução" ? O Estado não dedicou as maiores honrarias públicas a
Uritsky, o fundador e sádico chefe da Tcheca de Petrogrado?
Essa perversão dos valores éticos cedo se cristalizou no lema
dominante do Partido Comunista: os fins justificam os meios. Da
mesma forma, no passado, a inquisição e os Jesuítas adotaram esse
lema e subordinaram a ele toda a moral. E ele se vingou dos
jesuítas, da mesma forma como se vingou da Revolução Russa. No
rastro deste lema vieram a mentira, a falsidade, a hipocrisia, a
traição, o crime às claras ou em segredo. Deveria ser do maior
interesse para os estudantes de psicologia social o fato de que dois
movimentos tão distantes no tempo e nas idéias quanto o bolchevismo
e o jesuitismo atingiram resultados exatamente semelhantes na
evolução do princípio de que os fins justificam os meios. Este
paralelismo histórico, quase totalmente ignorado até agora, contém
uma lição importantíssima, não só para todas as revoluções futuras,
como para o futuro da própria humanidade.
Não há maior falácia do que a crença de que objetivos
e propósitos são uma coisa e métodos e táticas, outra. Essa
concepção é uma poderosa ameaça à regeneração social. Toda a
experiência humana ensina que métodos e meios não podem ser
separados do objetivo principal. Os meios empregados acabaram por se
tornar, através dos hábitos individuais e da prática social, parte e
parcela do objetivo final; eles exercem sua influência sobre ele,
modificam-no até que objetivos e meios se tornam uma coisa só.
Desde o dia da minha chegada na Rússia eu senti isso, a princípio
vagamente, depois com clareza cada vez maior. Os grandes e elevados
objetivos da Revolução tomaram-se tão enevoados e obscurecidos pelos
métodos utilizados pelo poder político para atingi-los, que é
difícil distinguir entre os meios temporários e o propósito final.
Psicológica e socialmente, os meios irão necessariamente influenciar
e alterar os fins. Toda a história do homem é uma prova contínua da
máxima de que retirar os conceitos éticos dos métodos utilizados
significa mergulhar nas profundezas da desmoralização total. É aí
que reside a verdadeira tragédia da filosofia bolchevique tal como
foi aplicada à Revolução Russa. Que essa lição não tenha sido em
vão. Nenhuma revolução pode ser bem sucedida como um fator de
liberação, a menos que os meios utilizados para incrementá-la sejam
autênticos em espírito e tendência aos propósitos a serem
atingidos.
Texto original (daqui
e daqui; grifo
meu):
It is at once the great failure and the great tragedy of the
Russian Revolution that it attempted (in the leadership of the
ruling political party) to change only institutions and conditions
while ignoring entirely the human and social values involved in the
Revolution. Worse yet, in its mad passion for power, the Communist
State even sought to strengthen and deepen the very ideas and
conceptions which the Revolution had come to destroy. It supported
and encouraged all the worst anti-social qualities and
systematically destroyed the already awakened conception of the new
revolutionary values. The sense of justice and equality, the love of
liberty and of human brotherhood -- these fundamentals of the real
regeneration of society -- the Communist State suppressed to the
point of extermination. Man's instinctive sense of equity was
branded as weak sentimentality; human dignity and liberty became a
bourgeois superstition; the sanctity of life, which is the very
essence of social reconstruction, was condemned as un-revolutionary,
almost counter-revolutionary. This fearful perversion of fundamental
values bore within itself the seed of destruction. With the
conception that the Revolution was only a means of securing
political power, it was inevitable that all revolutionary values
should be subordinated to the needs of the Socialist State; indeed,
exploited to further the security of the newly acquired governmental
power. "Reasons of State," masked as the "interests of the
Revolution and of the People," became the sole criterion of action,
even of feeling. Violence, the tragic inevitability of revolutionary
upheavals, became an established custom, a habit, and was presently
enthroned as the most powerful and "ideal" institution. Did not
Zinoviev himself canonize Dzerzhinsky, the head of the bloody
Tcheka, as the "saint of the Revolution"? Were not the greatest
public honours paid by the State to Uritsky, the founder and
sadistic chief of the Petrograd Tcheka?
This perversion of the ethical values soon crystallized into the
all-dominating slogan of the Communist Party: THE END JUSTIFIES ALL
MEANS. Similarly in the past the Inquisition and the Jesuits adopted
this motto and subordinated to it all morality. It avenged itself
upon the Jesuits as it did upon the Russian Revolution. In the wake
of this slogan followed lying, deceit, hypocrisy and treachery,
murder, open and secret. It should be of utmost interest to students
of social psychology that two movements as widely separated in time
and ideas as Jesuitism and Bolshevism reached exactly similar
results in the evolution of the principle that the end justifies all
means. The historic parallel, almost entirely ignored so far,
contains a most important lesson for all coming revolutions and for
the whole future of mankind.
There is no greater fallacy than the belief that aims
and purposes are one thing, while methods and tactics are another.
This conception is a potent menace to social regeneration. All human
experience teaches that methods and means cannot be separated from
the ultimate aim. The means employed become, through individual
habit and social practice, part and parcel of the final purpose;
they influence it, modify it, and presently the aims and means
become identical. From the day of my arrival in Russia I felt it,
at first vaguely, then ever more consciously and clearly. The great
and inspiring aims of the Revolution became so clouded with and
obscured by the methods used by the ruling political power that it
was hard to distinguish what was temporary means and what final
purpose. Psychologically and socially the means necessarily
influence and alter the aims. The whole history of man is continuous
proof of the maxim that to divest one's methods of ethical concepts
means to sink into the depths of utter demoralization. In that lies
the real tragedy of the Bolshevik philosophy as applied to the
Russian Revolution. May this lesson not be in vain.
No revolution can ever succeed as a factor of liberation unless
the MEANS used to further it be identical in spirit and tendency
with the PURPOSES to be achieved. Revolution is the negation of the
existing, a violent protest against man's inhumanity to man with all
the thousand and one slaveries it involves. It is the destroyer of
dominant values upon which a complex system of injustice,
oppression, and wrong has been built up by ignorance and brutality.
It is the herald of NEW VALUES, ushering in a transformation of the
basic relations of man to man, and of man to society. It is not a
mere reformer, patching up some social evils; not a mere changer of
forms and institutions; not only a re-distributor of social
well-being. It is all that, yet more, much more. It is, first and
foremost, the TRANSVALUATOR, the bearer of new values. It is the
great TEACHER of the NEW ETHICS, inspiring man with a new concept of
life and its manifestations in social relationships. It is the
mental and spiritual regenerator.
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