Rape Recovery Journal

Sábado 20/mai/2006

Eu vi as pessoas dançando tão bonito umas com as outras no Democráticos e vi ela e ela se abraçando e se dando um beijo e dessa vez eu sorria, porque eu lembrava como era dançar com ele, como nós dançávamos tão devagar, e era porque nós éramos tão cuidadosos, porque entre meninos é tudo tão mais complicado -

Eu mordia os lábios. Poucas vezes eu fui tão bonito quanto quando eu dançava com ele.

Todo mundo nos olharia se nós estivéssemos ali; aliás, todo mundo nos olhava quando nós dançávamos - a graça era essa. Nós achávamos bobo ignorar as pessoas em torno de nós; e qualquer movimento mecânico ou falso faria as pessoas se distraírem e voltarem pro seu amargor habitual.

Não sei rotular a relação que há entre nós; outras pessoas se beijariam, ou até transariam, ao atingirem um centésimo da intimidade que eu e ele tínhamos quando dançávamos.

Hoje, pela primeira vez em muito tempo, eu me lembro dele, e me lembro, e me lembro, e sou tomado por saudades, e não censuro as minhas memórias.

Quinta 11/mai/2006

Eu devia ter telefonado quando vi que não ia mais dar tempo pra fazer a visita, ao invés de ter só mandado uma mensagem pelo celular. Mas naquela hora parecia que tudo era foda-se e tanto faz, e ao mesmo tempo era tudo igual e banal, eu tinha acabado de tomar um banho gelado porque a minha flatmate tinha sido utterly unhelpful mais uma vez, ela estava ocupada e quando eu fui pedir alguma dica pra conseguir acender o aquecedor sem ele fazer aquela coisa de explodir que ele fez das outras vezes ela deu uma explicação em duas ou três frases toscas nas quais evidentemente faltavam pedaços.

Um dia eu ainda vou saber pedir ajuda direito, e eu vou saber reclamar e cobrar ao invés de ficar só desistindo e caindo nesse loop mental de ficar tentando transformar tudo em palavras e historinhas.

Hoje de manhã o gato cinza da minha rua, que no início era bem meu amigo, estava fazendo coisas que eu não consegui entender.

Hoje de manhã, antes de eu sair e encontrar o gato, eu esperei a ligação do cara que parece que tem uma proposta de trabalho pra mim em Recife, e ele não ligou.

Ontem eu fui visitar os meus pais e vi que o meu pai está ainda mais chato, mais encurralado e mais patético. Ele foi super simpático comigo, me perguntou coisas, me mostrou coisas - e hoje eu estava vendo como é que a minha raiva dele continua intacta, apesar de que às vezes ela quase é contrabalançada por um pouco de pena. Eu volta e meia vejo que estou esperando ele morrer, e fico pensando se não é a hora de começar a dizer isso abertamente, pelo menos pros amigos mais próximos - só que aí parece que eu viro um monstro, que não existem mais certos e errados, e que tudo foda-se e tudo tanto faz.


É que eu não tenho quase nenhuma lembrança boa dele. Mas há muitos anos eu me defendo tanto dele que parece que não sobra nenhuma brecha por onde ele possa fazer algo de bom - o máximo que acontece é às vezes ele ser menos desagradável.

Ou seja, sob um certo ponto de vista é tudo culpa minha. Que lindo, que legal, que divertido - né? Mas eu já estou acostumado.


Alguns amigos dos meus pais me arranjaram uns contatos de trabalho, tipo mande currículo para o fulano de tal. Fico pensando o que eles fariam se eles descobrissem o que eu sinto por ele. Acho que é por isso que eu fico tão surpreso quando eles me ajudam.

Quarta, 3/mai/2006

Reunião sobre realocação.

Devo poder continuar trabalhando na mesma empresa, mas numa outra posição, mais técnica, usando menos linguagens (só C e SQL), tendo que lidar com os mesmos bugs do Windows, tendo que ir pra Barra, com o mesmo horário (8 horas por dia), e ganhando a mesma coisa.

Hay for the horses

Sábado, 29/abr/2006

Um dia eu estava lendo um livro nas mesinhas do Espaço Unibanco e três garotos de terno vieram fazer uma "intervenção poética" (uma "intervenção patética", na verdade) lá no hall do cinema e nos empurrar seus livrinhos... eu fiquei tão irritado que eu escrevi isso aqui, que infelizmente por causa da divisão em linhas pode parecer poesia...

Porque poesia é tão bonito. Porque o poeta. Pra comer muitas mulheres. Oh yeah.

(Ei, menino de terno)

Quarta 19/abr/2006

(Sobre terça 18/abr/2006)

Fiquei conversando com um cara - uma anabranquete - na Oficina da Semente. Puta que pariu, que coisa irritante - aquele discurso de que o conhecimento já está todo dentro de você, você não precisa de nada externo, de que não-sei-quê e não-sei-que-lá "não existem" (o bem? a verdade? a felicidade?), citações ao "What the bleep do we know?" e à Física Quântica...

Um exemplo marcante que ele deu: que na família dele todo mundo bebia um copinho de cachaça todo dia e ninguém sabia como era viver sem isso; e agora que ele experimentou viver sem cachaça ele não quer nem mais fazer contato de novo com a versão antiga dele, que funcionava na mesma sintonia que a desses caras.

Eu posso não estar querendo beber cachaça agora, mas eu quero muito conseguir me comunicar com esses parentes que bebem na historinha que o cara contou: eles têm uma percepção diferente da minha.

Eu quero tudo, e quero ter contato com todas as minhas partes, boas e ruins.

O pior de tudo isto foi o cara falando que o objetivo da Arte é o momento da criação e só, e que a idéia de comunicação com outros é balela. Tá, anabranquete, fica aí com a sua cabeça transcendental e com o êxtase das comidinhas. Eu sou diferente, e eu tenho horror a pessoas que não têm interesse por livros, idéias, modos de pensar diferentes e obras de arte.

E aí ele vai ficar me olhando com aquele olhar superior. Com que cara eu gostaria de olhar pra ele de volta?

Eu olhava nos olhos dele e era tão óbvio pra mim porque é que ele tinha entradas enormes e aqueles tufos de cabelo pro lado e pra cima: excesso de um determinado tipo de pensamento. Agora eu quero desintoxicar daquilo.

Segunda 17/abr/2006

Aula de Aéreos que não teve. Almocei na Oficina da Semente e acabei ajudando os caras num evento no Jardim Botânico.

Sexta 14/abr/2006

Lutando contra a depressão sem saber direito porquê e sem saber o que eu vou encontrar do outro lado.

Quinta 13/abr/2006

It is lonely up here
It is so sad down there
Come, join me
Says the suicide
And she's so right

Quarta 12/abr/2006

Encontrei o Meleca na rua.