Rape Recovery Journal

Domingo 9/abr/2006

Já faz mais de três anos. Quando é que vão me perdoar por eu ter sido violado?

Quando é que gente como eu vai ter direitos? A única coisa que pode me dar alguma segurança é eu ter centenas de amigos a quem eu possa recorrer se acontecer de novo.

A minha praga ainda não funcionou.
"Um dia alguém vai quebrar o nariz da Aline com um soco - e esse alguém não vai ser eu."
E os meus pesadelos continuam.
As pessoas dizem, ou diziam: "vai passar". Era pra eles terem passado há anos.

Hoje na feira um cara - um feirante - tinha dado uma chave de braço numa mulher e estava levando-a pra fora da feira. Não entendi se ela era ladra, se ela tinha um caso com ele, ambos, ou o quê. Numa hora ela até gritou "ai, ai, ai, meu braço, tá me machucando". Mas soou falso e inadequado e ela não tentou de novo. Ainda bem.

Eu pensei: eu não tenho mais o menor interesse pelos direitos das mulheres. Eu não vou mexer uma palha.


Eu fui super claro a respeito de como eu funcionava: sexo pra mim é um ninho de serpentes. Transar com alguém é mexer em medos, expectativas, inseguranças, rejeições, paranóias - e numa disciplina de anos pra tirar sexo da minha lista de prioridades e redirecionar a energia para outras coisas.

Eu já tinha transado com duas pessoas e não queria transar com uma terceira se não fosse algo muito especial. O meu neurônio do sexo fica longe do meu neurônio do prazer e muito perto do neurônio do medo: "sexofobia". E a Aline dizia que entendia.

Durante um ano depois dessa história eu não consegui olhar direito nos olhos de ninguém. A gente sempre aprende com qualquer relação, dizem. Eu aprendi que qualquer pessoa podia ser uma Aline.

Espera-se que eu seja feliz, que eu me envolva com outras pessoas, que esqueça isso e supere. Será que alguém poderia me mostrar o caminho? Será que alguém poderia se aproximar e me guiar pela mão?

Pouca gente hoje em dia sabe lidar com quem tem medo. E as pessoas não ficam à vontade com quem tem segredos engasgados.

Terça 28/mar/2006

Quando ele nasceu ele era considerado humano; depois passou. Foi abatido aos 12.


Volta e meia eu caio no meio de grupos de defensores dos direitos dos animais, e a ingenuidade deles me irrita. É que o nosso público-alvo é diferente: eles ficam chocados com o absurdo que são os abatedouros, vaquejadas e laboratórios de testes em animais, e eles querem atingir as pessoas que nunca nem pensaram que os animais sofrem como nós. Porra, meu pai passou por campo de concentração, minha melhor amiga já esteve em hospício, já vi policiais surrando pessoas na rua, e já me senti o negro e o louco da minha faculdade; pra mim essas coisas - crueldade contra o "outro", o que não é humano, o que não é um de nós - são cotidianas, são o ar que eu respiro há anos.

Estou cansado de dizer que as pessoas que são cruéis com quem elas não consideram humano são "monstros"; não, se treinar para desumanizar certos seres e tratá-los como objetos é um processo humano demais, eu reconheço ele em mim - tem que ser possível dialogar de igual para igual com essas pessoas, tem que ser possível usar esse processo conscientemente e escolher quem vai ser tratado como coisa -

Temos muitos inimigos muito muito grandes e nos contentamos em bater nos mais fracos.

Sexta 17/mar/2006

As minhas pessoas favoritas têm muito pouco e aguentam firme enquanto suas famílias as chamam de parasitas.


Lady Liberty, lend a hand to me


There, the eyes are
Sunlight on a broken column

Quinta 16/mar/2006

Rimbaud 0: Missão Abissínia - escrevi isso pouco depois de voltar do Canadá, e mostrei pra muito pouca gente. Tá na hora de fazer esse texto ficar um pouco menos secreto.

Quarta 15/mar/2006

Acho que vou conseguir uma transferência para Campinas ou São Paulo.

"Você não vai sentir falta da praia?"

Hm, qual foi a última vez em que eu fiquei sem camisa em algum lugar público ou com pessoas amigas por mais de uns poucos segundos?

Eu não lembro, mas deve fazer mais ou menos um ano.

"Mas as mulheres do Rio são tão bonitas."

Eu tenho paranóias recorrentes com a Cláudia revoltada por eu me manter esculhambado e descabelado e "feio" (na verdade esse "feio" era porque eu me punha à margem e agia defensivamente como se eu fosse um proscrito, e aí eu ignorava de propósito muitos dos códigos de comportamento usuais. Um dia eu tenho que escrever sobre isso). Ah, e a Aline, que no início era gente boa, surtando cada vez mais porque eu não me maravilhava com seus peitos e curvas e vestidos.


Eu quero um lugar onde as pessoas se olhem nos olhos.

Eu quero voltar a passar o meu tempo livre nos guetos.

Eu quero me mudar pra Montreal quando eu crescer.

Segunda 13/mar/2006

- O seu pai morreu.

- Hm, agora só precisamos nos proteger do fantasma dele.

Domingo 12/mar/2006

Cláudia:

Você fez um estrago fudido - e depois, o que você fez pra tentar consertar? Pediu desculpas um pouquinho, tentou esquecer, me disse pra esquecer, me chamou de rancoroso -

Porra, eu tou cansado de viver numa cidade em que memórias e pessoas são tão descartáveis -

Eu queria é que ela reconhecesse que eu tenho algo tipo um coração, seja lá o que for isso (e a palavra soa brega, então eu evito) - que eu tenho feridas demais doendo há tempo demais, e admito que isso é uma merda - mas eu faço um esforço louco pra lidar com isso do modo mais honesto possível, e tento ter mil coisas boas pra compensar

Sexta 10/mar/2006

Eu tou cansado de lembrar que 90% da cabeça dele me acham um idiota e um fresco (e são exatamente os 90% que ele não controla) e que ele só tem orgulho do meu diploma de Doutorado, pro qual eu nem ligo muito - o que eu queria era que ele entendesse que ele me educou de um jeito super duro e que eu aprendi a responder essa dureza sendo duro também - eu queria pelo menos o olhar surpreso e respeitoso que a gente imagina que um mestre espadachim faça quando luta com um aluno e vê que ele chegou ao seu nível, mas não, o meu pai só me vê como um monstro grosso e insensível

Terça 7/mar/2006

Tem uma cena que se repete no final do "Les Maîtres du Temps" em que o garoto é atacado por insetos gigantes que ficam picando a cabeça dele -

Pra mim essa cena é alguém sendo atacado por pensamentos.

Eu lembro dela várias vezes por dia.


Comprei de novo uma caixa de Minerva Brisa (sabão em pó). Eu gosto do cheiro dele, acho que ele limpa bem, mas não gosto muito da sensação nas roupas depois, pelo menos quando elas estão molhadas - acho que são as bolinhas de silicone.


encolhido feito uma bolinha

com as mãos nos ouvidos

gritando em silêncio

Domingo 26/fev/2006

Hello Ms. Carnivore!

Your love juices stink too much.

Sorry!

Bye.

Terça 24/jan/2006 (?)

Eu estou cansado de fingir que daqui a pouco vai estar tudo bem porque eu vou ter esquecido a minha raiva

(Daqui a pouco de novo as pessoas em torno de você não vão existir, só vão existir o noticiário e os judeus)

E você vai ser grosso com as pessoas em torno de você porque você não tem o menor contato com os sentimentos delas

("Ah, desculpe, eu não percebi" - claro que não percebeu)

Terça 28/dec/2005

Ele chega de noite e eu me levanto maravilhado pra recebê-lo, e ele pergunta, "quais são as novidades?", e, putz, não tenho novidade nenhuma exatamente porque eu passei o dia boba de felicidade e expectativa esperando que ele chegasse deitada na soleira da porta, agora tenho medo de que a minha falta de novidades seja sinal de que eu fiz tudo errado, se eu fosse mais casual eu teria tanta coisa pra contar, se eu fosse um cachorro a minha felicidade bastaria, mas eu não sou e ele me cobra novidades, malditas novidades.

Domingo 18/dec/2005

Ele se senta no sofá na frente da televisão e espera a morte chegar

e a morte vem infinitamente devagar

Terça 6/dec/2005

1.

- "Deixa eu te ajudar"

- "Você não tem nada do que eu preciso"


2.

You are like a hurricane

There's calm in your eye