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% (find-TH "falta-misandria") \def\ni{\noindent} % https://mail.google.com/mail/ca/u/0/#sent/14d13bce981030a7 \ni {\bf De:} \RW{} \ni {\bf Para:} Mim \ni {\bf Em:} 2/maio/2015 15:57 \medskip Muito bom! Acho que você foi no ponto! Só duas coisas: Eu acho o termo Terf bem complicado. Em primeiro lugar porque, bom, é pejorativo, né? Já que nenhuma mulher se intitula terf, embora algumas se intitulem perf (P de pênis), pois trans homens são aceitos nos espaços exclusivos. E em segundo lugar porque é um termo misógino. Por que só as mulheres têm um termo para designar o fato de serem trans-excludente quando a sociedade inteira é trans-excludente e quando quem agride, estupra e mata trans são homens cis? Outra coisa é que só em espaços exclusivos virtuais pude entender o conceito de gênero para as feministas radicais e acho que posso tentar te explicar uma coisa que parece que não está clara para quem não participa desses grupos: o conceito de ``identidade de gênero'' está fazendo mulheres cis, cada vez mais, irem para o feminismo radical. Não porque elas são transfóbicas, nenhuma delas nega o sofrimento de ser uma pessoa trans que passa por transição, muito menos das trans que se prostituem, das que sofrem violência transfóbica... Talvez você ache ruim o que vou dizer, mas espero que você consiga entender o meu ponto: \label{lesbicos}há homens afirmando serem mulheres não-binárias querendo se impor como mulheres lésbicas. Basta passar um batom e colocar uma saia e dizer ``sou mulher'' para ser mulher? E automaticamente qualquer mulher cis passa a ser opressora dessa pessoa que a vida toda teve todos os privilégios de ser homem? E a voz dessa mulher não-binária deve se sobrepor à de uma mulher que passou a vida inteira sendo silenciada por ser mulher? Você consegue perceber porque isso é problemático? Geralmente são homens brancos universitários, barbados, que colocam uma saia e um batom e a partir do momento em que dizem que são mulheres ninguém pode negar isso. Pensa em como essa pessoa é vista por mulheres que têm trauma de estupros ou medo de estupros corretivos. Pensa em como mulheres podem se sentir ameaçadas pela hipótese de que um homem coloque uma saia para se dizer não-binária ou gênero fluido apenas para ter sexo com mulheres. A maior parte das pessoas que se dizem não-binárias ainda por cima dizem que são lésbicas e que se uma lésbica não quer fazer sexo com eles é porque é transfóbica. O que uma lésbica vê quando isso acontece? Como não ver um homem impondo o seu pênis sobre o corpo feminino? Uma lésbica não pode não gostar de pênis a não ser que tenha passado por traumas? Eu conheço duas meninas que passaram por pressões desse tipo. Onde mais elas iriam poder falar sobre isso se não em espaços exclusivos? Sério, acho que alguém devia dizer pra esses caras que eles tão fazendo muito mal pra militância trans. Não sei se eles têm fetiche em serem oprimidos ou o quê, mas só vão conseguir que lésbicas e feministas radicais reafirmem que ser mulher não é usar saia. Um beijo, \R{} \newpage \ni {\bf De:} Eu \ni {\bf Para:} \RW{} \ni {\bf Em:} 3/maio/2015 22:54 \medskip Hey!!! Adorei a sua resposta, passei o dia pensando nela, com vontade de escrever uma resposta gigante... Desculpa eu ter usado o termo ``TERF''... é porque eu tava num grupo de pessoas trans... Deixa eu primeiro te mandar duas coisas que eu acabei de postar lá na discussão. Aliás, antes olha isso aqui, que foi um dos comentários de lá... \begin{quote} ``Só pelo titulo eu nem vou ler...por q ja sei q tem chorume de terf.'' \end{quote} Lá vão os meus dois comentários. Mais depois! Beijos! =) (...) \newpage \ni {\bf De:} Eu \ni {\bf Para:} \RW{} \ni {\bf Em:} 4/maio/2015 00:00 \medskip Eu ando procurando onde, \_pra mim\_, está o centro da distinção entre homens e mulheres, qdz, quais são os aspectos do ``mundo masculino'' que fazem com que meios masculinos sejam um pesadelo pra mim... Nos últimos dias eu andei tentando pensar em termos do que seria ``energia masculina'' e ``energia feminina'', principalmente em termos de tipos de desejo, modos de se relacionar com o próprio corpo e com os dos outros... e andei começando a catar coisas que eu li há anos atrás num livro do Reich (o ``A função do orgasmo'' - bem interessante), num sobre Tantra (que eu não tive paciência pra tentar reler), em livros clássicos de psicanálise que eu nunca tinha lido antes (que gente doeeeenteeeeeee esses psicanalistas!!!), e vi que tem boas coisas no ``O segundo sexo''... Uma idéia-chave (pra mim): um princípio do ``masculino'' é o ``lavou, tá novo''; um do feminino é que é preciso cuidar e prestar atenção, porque tem muita coisa que se for quebrada não dá pra consertar depois. Lendo os livros dos psis idiotas eu vi uma coisa recorrente, super interessante... ``pênis'' é automaticamente associado a ``poder'' e ``prazer''; é como se todas as mulheres fossem intercambiáveis e não houvesse muita diferença entre transar com a que você ama muito e uma que é só espólio de guerra pra estuprar... ou seja, é como se a \_qualidade\_ de conexão com o outro não fosse importante... e eu ando com a sensação de que essa obsessão por definir qual é o nosso ``tipo'', se a gente é hétero ou gay ou o quê, tem um pouco dessa idéia de que as pessoas-nossos-objetos-de-desejo são intercambiáveis, que a gente pode tranquilamente se livrar de uma e arranjar outra do mesmo tipo... Claro que isso que eu tou descrevendo é exatamente o oposto de como eu funciono.. pra mim a qualidade da conexão com a outra pessoa é o que mais importa, e lidar com o genital, ou até só com o físico, às vezes é tão complicado que é melhor deixar isso pra lá, ou pra depois - e daí o que eu vivo dizendo e as pessoas não entendem, que é que ``sexo estraga tudo'' (muitas vezes), e que muitas vezes a gente tem relações sem sexo muito mais fantásticas do que outras com... Desculpa se tá bagunçado, né, eu avisei que isso eram coisas que eu ainda tou longe de conseguir escrever direito. =) Beijos, E. \medskip P.S.: ah, ``mulheres trans'' invasivas, que acham que têm que ser aceitas só porque se auto-declararam mulheres e lésbicas, pra mim são homens sem noção, e esse tipo de cara sem tato e sem noção é exatamente o tipo que eu mais tenho vontade de combater... não que eu consiga fazer muito contra esses caras por enquanto, mas o horror que eu tenho a eles é visceral. (...) % P.P.S.: tou lendo o ``Gender Trouble", da Judith Butler, e achando % interessantíssimo - ela mapeia bastante coisa da literatura sobre % gênero das últimas décadas, torna essa literatura % acessível pra quem antes sentia que não tinha contexto pra % lê-la (como eu), e deixa o leitor, ou melhor, os leitores como eu, % com uma sensação de dever de casa enorme, de ``uau, agora preciso % ler as coisas tais e tais no original''... por enquanto tou com a % sensação de que isso de que basta alguém se declarar homem ou % mulher pra automaticamente ``ser'' homem ou mulher é consequência % de uma leitura incrivelmente rasa e errada dos textos dela... \newpage \ni {\bf De:} Eu \ni {\bf Para:} \RW{} \ni {\bf Em:} 4/maio/2015 09:00 \medskip Fiquei pensando sobre as ``mulheres trans'' invasivas, que pra mim são ômis vestidos de mulher... Eu só fiquei sabendo em detalhes de um caso desses, o da Heleonora/Léo, aqui no Rio. Eu conheci elx no dia da visibilidade trans, depois um dia ela começou um chat comigo, me dando esporro do nada por eu ter uma página que ela considerava transfóbica entre os meus likes, a gente brigou, ela se recusou a ler as coisas que eu mandava e no final ela postou o link de um ``EVENTO PARA VOCÊ ENCHER MEU COPO E NÃO MEU SACO!'' (hosted by ``Mulher sem frescura''). Eu fiquei triste, fui desabafar com uma garota trans super fofa que eu tinha conhecido no mesmo dia e por quem eu tinha ficado encantado, mas nisso eu ainda tava tentando ver a Heleonora/Léo só como alguém super equivocadx, descarregando nos outros coisas que não devia... Depois fiquei sabendo que elx já tinha até mandado fotos do pau delx pra pessoas por chat, e que ela tava sendo expulsa de todos os grupos, massacrada, e aos poucos as pessoas que tinham prints das maluquices e grosserias dela foram até se sentindo mais à vontade pra falar delx pelo nome em lugares bem mais públicos das internets... mais um pouquinho seria com nome e sobrenome, mas não vi chegar a esse ponto. E um dia vi ela pedindo alguma recomendação de psicólogo que o plano de saúde dela cobrisse, e depois ela sumiu. Os ômis vestidos de mulher das baladas da Unicamp são figuras que ainda são meio mitológicas pra mim... você os menciona, mas os grupos nos quais eu tou omitem a existência deles por estratégia - uma estratégia da qual eu discordo. Acho que eles deveriam ser expostos e massacrados também. Talvez a minha posição seja mais fácil do que as das mulheres trans que querem juntar todas as pessoas trans AMAB num guarda-chuvão, defender todas, e esperar que apareça alguma espécie de sororidade entre elas... porque numa época eu até combati muito explicitamente a cultura do sexo casual, até com surtos meio teatrais sempre que eu achava preciso, porque essa cultura era tão hegemônica que as pessoas ridicularizam quem procurava relações de intimidade, confiança e segurança sem notarem, como se essas coisas fossem um delírio romântico ingênuo, ridículo e ultrapassado - e quando elas faziam isso elas atrapalhavam que gente como eu 1) se expusesse, 2) encontrasse outras pessoas parecidas, 3) existisse (porque eu ficava me sentido errado e doente e tentava mudar). (...) % Outro livro bacana que eu li recentemente, e que eu li num instante % porque ele é fácil, não é que nem a Judith Butler, é % esse aqui: ``Whipping Girl: A Transsexual Woman on Sexism and the % Scapegoating of Femininity'', da Julia Serano... eu até PDFizei dois % capítulos dele a partir do e-book, e pus aqui: % % \url{http://anggtwu.net/LATEX/whipping-girl.pdf} % % Ela mora em San Francisco, é super ativa nas discussões de % lá - e a comunidade de lá tem gente super cabeça, né - e % esse livro dela, que é de 2007, tá anos-luz adiante do ``Gender % Trouble'' da Judith Butler, que é de 1990... A Julia Serano pensou % durante anos no que exatamente era a transexualidade dela, pra % conseguir respostas honestas e esclarecedoras que ajudassem todo mundo % e fizessem a discussão avançar... e num ponto do capítulo 5 % ela diz % % \begin{quote} % ``In the years just prior to my transition, I started to express my % femaleness as much as possible within the context of having a male % body; I became a very androgynous queer boy in the eyes of the % world. While it felt relieving to simply be myself, not to care % about what other people thought of me, I still found myself % grappling with a constant, compelling subconscious knowledge that I % should be female rather than male. After twenty years of exploration % and experimentation, I eventually reached the conclusion that my % female subconscious sex had nothing to do with gender roles, % femininity, or sexual expression--it was about the personal % relationship I had with my own body.'' % \end{quote} % % o que é honesto, e eu achei bem legal por motivos que não valem % muito a pena eu contar agora (me ajuda a explicar a minha % relação com hormônios), mas não nos ajuda... mas em outros % capítulos ela mapeia um monte de características ``femininas'' que % são discriminadas socialmente, tanto quando são apresentadas por % mulheres quanto quando por homens... e esse livro me ajudou bastante a % pensar como a sociedade valoriza o ``lavou, tá novo'' e as pessoas % serem tanques de guerra insensíveis, e desvaloriza o oposto disso, % que é a gente ter atenção e cuidado porque a gente sabe que % muitas coisas são frágeis... % % Bom, vou parar por aqui. Se você fosse outra pessoa eu me % obrigaria a 1) escrever uma conclusão como se você não fosse % genial pra conectar as idéias que eu escrevi do seu jeito e ir % até além do que eu pensei, 2) me desculpar por eu ter escrito % muito... mas você sabe que ler é rápido, escrever é que % demora =). Ah, não, não, péra, tem mais uma coisa que eu queria falar. Enquanto as histórias dos ômis invasivos vestidos de mulher não circulam com mais detalhes cada lado faz os seus ``deslizamentos'' - no sentido daqui, \url{http://transfeminismo.com/o-banheiro-e-a-ideologia/} - e as trans pensam só nos casos mais extremos, que são poucos, e dizem que as rads estão pegando esses poucos casos e fingindo que são muitos pra espalharem transfobia... Quando eu crescer mais um pouquinho - nas próximas semanas, espero! - eu quero ter uma terminologia mais fina pra pensar e falar sobre essas coisas, e inclusive reativar as minhas provocações antigas, que tinham uma estratégia bem séria por trás, agora me focando em que ``mulher sem frescura'' (vide acima) pra mim é ômi, e ômi que quer ser ``mulher sem frescura'' não é trans não, qdz, não no sentido que eu respeito, pra mim é ômi também. Ou, em outras palavras, sororidade com gente incapaz de sororidade é o caralho. Beijos! E. \medskip P.S.: agora é que me ocorreu - e as travestis? Como ser solidário com elas, porque elas são a vanguarda do movimento e as mais oprimidas e tal... se elas são obrigadas a serem tanques de guerra, e portanto pessoas duríssimas? Bom, a resposta me veio logo depois da pergunta - as poucas que eu conheci pessoalmente são pessoas super sensíveis e fofas sempre que podem... \newpage % https://mail.google.com/mail/ca/u/0/#search/heleonora/14d1df0fe608eee5 \ni {\bf De:} \RW{} \ni {\bf Para:} Mim \ni {\bf Em:} 4/maio/2015 13:44 \medskip Eduardo, ontem eu passei o dia na rua e li seus 3 e-mails agora. Bom, que bom que você não defende esses ``homens vestidos de mulher''! Gostei muito das coisas que você escreveu, mas voltando para o seu 1º e-mail, fiquei me perguntando uma coisa: a maioria das trans se incomoda com o fato de feministas radicais terem espaços exclusivos? Não entendo muito bem porque se incomodar, já que as coisas discutidas entre feministas radicais normalmente são muito específicas e podem funcionar como TW para trans: aborto, violência obstetrícia, parto, menstruação, estupros, educação das crianças, direitos reprodutivos, representação da mulher na mídia estão entre as principais pautas das feministas radicais no Brasil. Acho que são assuntos tão importantes e urgentes... Também acho importantes e urgentes muitas das coisas que você diz, mas talvez não seja melhor que só trans possam opinar a respeito das causas trans? (Pergunta sincera, pois acho que uma pessoa cis não deve opinar sobre a causa trans, assim como acho que quem não tem útero não tem que opinar sobre menstruação.) Um beijo, \R{} % Local Variables: % coding: raw-text-unix % End: