---------- Mensagem encaminhada ----------
De:
Rhea <rheawillmer@gmail.com>Data: 14 de maio de 2011 10:31
Assunto: Professores do ensino básico são impedidos de fazer pós-graduação
Para: Marcia Menezes <
marciamtp@bol.com.br>, Tatiana Pequeno <
tatianapequeno@gmail.com>, Aristóteles Angheben Predebon <
angheben40@hotmail.com>, Dionisius Amendola <
dionisiusdio@gmail.com>, caramelamendola <
caramelamendola@uol.com.br>, jfdasilveira <
jfdasilveira@uol.com.br>, Carmen Lucia Tindó Secco <
carmenlt.trp@terra.com.br>,
apgufrj@googlegroups.com, Programa de Letras Vernáculas Faculdade de Letras da UFRJ <
posvernaculas@gmail.com>, Veronica Aragao <
venasalme@gmail.com>,
vereda@alternex.com.br, Renata <
torressrenata@gmail.com>, Renata Gomes Cardoso <
rgcardoso@yahoo.com.br>, "Leo Isac =]" <
leo_lua3@hotmail.com>, Leandro Gomes Cardoso <
lgmcard@gmail.com>,
eneidamarques@gmail.com
A “Nota sobre o acúmulo de bolsa e vínculo empregatício”, divulgada
recentemente pela Capes e pelo CNPq, agências que financiam os estudos
científicos e as pesquisas de pós-graduação no país, à primeira vista pareceu
uma resolução para evitar o acúmulo de bolsa de mestrado ou doutorado e salário
por professores (e servidores) das universidades públicas (federais e
estaduais), de faculdades privadas e das escolas que formam a Rede Federal de
Educação Profissional e Tecnológica, que poderiam obter bolsas específicas nas
Universidades em que realizam as suas pesquisas.
Parece que os documentos do Cnpq e da Capes são ambíguos quanto aos
critérios para acúmulo de bolsa e vínculo empregatício no caso do emprego de
professor (especialmente no caso do ensino básico), pois na Portaria de 15 julho de 2010, no artigo 1º
há clara alusão ao trabalho de professor: "$ 2º Os referidos bolsistas
poderão exercer atividade remunerada, especialmente quando se tratar de
docência como professores nos ensinos de qualquer grau".
Já na "Nota sobre o acúmulo de bolsa e vínculo empregatício",
há a explicitação de que o vínculo só poderá existir se for posterior à bolsa e
resultante da mesma. Embora a mesma nota cite a "educação
básica" como uma das "áreas estratégicas nas quais é academicamente
desejável a maior aproximação do pós-graduando com o mercado". Certamente,
nas Faculdades de Educação e de cursos que oferecem Licenciaturas,
especialmente os cursos da área de Humanas e de Letras, a maior parte dos
acúmulos se deve ao trabalho docente na educação básica. Ou seja, são
professores de 1º e 2º graus que viram na possibilidade de acúmulo do exercício
da docência e bolsas de mestrado e doutorado a possibilidade de fazer uma
pós-graduação, com o principal intuito de melhorar suas atuações nas salas de
aula, pois é inegável a necessidade de que esses profissionais se atualizem, já
que, no final das contas são os únicos responsáveis pela educação dos alunos
das redes públicas de ensino.
Mas os professores que se encontram nesta situação, depois de terem
reduzido a carga horária e abandonado empregos para conciliar a pós-graduação
com bolsa – havendo, inclusive casos de pessoas que foram obrigadas a pedir
exoneração de cargos públicos por estarem em estágio probatório ou por terem
tido negados pedidos de licenças sem vencimentos – foram informados nesta
semana que teriam suas bolsas sumariamente cortadas. Em algumas instituições
esses professores foram obrigados a optar entre uma ou outra função, o que,
certamente, causou mais danos à educação.
Os valores referentes às bolsas são muito maiores que os valores
referentes aos salários dos professores e, com a falta de professores nas
escolas de todo o país, há sempre a possibilidade de se prestar um novo
concurso e ser rapidamente convocado (principalmente com os pontos extras para
pós-graduados e para quem já atuou na educação pública). Perdem os professores,
que já receberam alguns meses de bolsa e já se comprometeram financeiramente:
compraram livros, computadores, financiaram bens para as suas famílias (que
perdem junto com os professores); perdem as pesquisas, pois esses professores
não poderão mais ir a Congressos, embora já estejam inscritos em alguns e terão
que comprometer o andamento de suas pesquisas para poder trabalhar mais e
honrar seus compromissos financeiros; e, principalmente perdem os alunos. Perdem
os alunos, que ficarão sem aulas a partir do mês de maio, quicá até o fim do
ano letivo. Perdem os alunos, que estavam vivenciando a prática de aulas
melhores, dadas por professores que estudam. Perdem os alunos, que não terão a
chance de ter aulas com professores motivados – algo tão raro na educação
pública. Perdem os alunos, que terão professores menos qualificados.
Com base no Artigo 2º da Portaria: "Para receber complementação
financeira ou atuar como docente o bolsista deve obter
autorização, concedida por seu orientador, devidamente informada à coordenação
do curso ou programa de pós-graduação em que estiver matriculado e registrado
no Cadastro Discente da CAPES". De acordo com este artigo, a atividade
docente não está incluída na categoria "complementação financeira",
são duas coisas distintas, portanto. E, para que a atividade docente seja
exercida em concomitância com a bolsa, é necessário apenas que haja a devida
autorização (do orientador) e registro no cadastro discente da Capes. Não há
nenhuma referência à impossibilidade de que esta autorização seja feita no
momento em que o aluno é contemplado com a bolsa. O e-mail da diretora
substituta de programas de bolsas no país, Zena Martins, às coordenadorias de
pós-graduação não estabelece diferenciação entre as atividades, trata toda e
qualquer atividade exercida com vínculo como se fosse "complementação
financeira".
Ainda que seja cabível considerar que o salário de professor de
ensino público insere a atividade docente na categoria "complementação
financeira", uma vez que é muito menor que o valor das bolsas de mestrado
e doutorado. Ressalte-se ainda que normalmente a atividade docente possui carga
horária de até 16 horas semanais, o que está muito longe de uma jornada
integral que possa interferir no desempenho do aluno de pós-graduação.
É necessário esclarecer todas as dúvidas a respeito de uma suposta
"interpretação errônea" das instituições de ensino superior da
"Portaria conjunta nº 1 de 15 de julho de 2010". Não há interpretação
errônea alguma na concessão de bolsas de pós-graduação para professores, pois
de acordo com a entrevista de esclarecimento do presidente da Capes, Jorge
Almeida Guimarães[1],
a respeito da Portaria nº1 de 2010, inserir profissionais da educação básica na
pós-graduação seria um dos objetivos desta Portaria (as citações foram tiradas
da referida entrevista): "Nós queremos induzir, por exemplo, a presença de
pessoas da educação básica na pós-graduação para melhorar sua qualificação, sua
titulação." Na entrevista, o presidente da Capes afirma que já possuir
vínculo empregatício não seria critério para a concessão ou não de bolsas,
observem a pergunta de número 10:
"O fato de a pessoa possuir
vínculo pode ser utilizado no critério de seleção para bolsas?"
Resposta: "Não. Não pode e nem deve. A seleção é por mérito. O que
vale na seleção é o mérito do candidato."
Ou seja, não houve uma interpretação errônea: os candidatos às bolsas de
pós-graduação poderiam ter vínculo antes da concessão das mesmas. Ou melhor, se
houve interpretação errônea foi a do presidente da Capes, que para esclarecer a
Portaria nº1 de 2010, afirmou que os futuros bolsistas poderiam ter vínculo anterior
à concessão das mesmas. O presidente da Capes afirma ainda que:
Todos os bolsistas poderão ter vínculos empregatícios desde que
atendidas as exigências que estão na portaria, ou seja, autorização do
orientador, além de atender ao item que trata de assinalar essa condição no
Cadastro de Discente e que, naturalmente, não afete o desempenho do aluno e
seja uma área compatível com a sua formação.
É preciso que a situação seja muito bem esclarecida, pois o corte de
bolsas poderá causar ainda mais transtornos se as bolsas concedidas desde 15 de
julho de 2010 forem consideradas irregulares, pois, de acordo com esta
"Portaria", o bolsista poderá ser obrigado a devolver os valores que
recebeu a título de bolsa (e se tornar um devedor da União): "Art. 3º No
caso de comprovado desrespeito às condições estabelecidas na presente portaria,
o bolsista será obrigado a devolver a CAPES ou CNPq os valores recebidos a
título de bolsa, corrigidos conforme a legislação vigente." E será
impossível para um professor da rede pública de ensino ter que trabalhar para
ressarcir uma bolsa recebida por mérito e direito, uma vez que os valores
referentes às bolsas são bem maiores que os valores referentes aos seus
salários. Ressalto ainda que manter a bolsa de quem passou a possuir o mesmo
tipo de vínculo empregatício após a vigência da bolsa é uma decisão arbitrária
e fere o princípio de isonomia e os direitos dos atuais bolsistas, que
receberam bolsas unicamente por mérito acadêmico.
É necessário ainda que seja esclarecido se o vínculo empregatício não
poderia ser antes da vigência da bolsa ou da solicitação da mesma, pois é
notório o fato de que, na maior parte das vezes (ao menos na área de Humanas),
os bolsistas esperam a bolsa por períodos que variam de 6 a 18 meses. Pois se o
aluno começou a trabalhar em área relacionada após o início do curso de
pós-graduação e está mantendo o desempenho acadêmico, a única diferença para
com os critérios (duvidosos) presentes na “nota de esclarecimento” é a demora
da concessão das bolsas, o que, muitas vezes, obriga o pós-graduando a buscar
uma fonte de renda com o principal objetivo de se manter no curso de Mestrado ou
Doutorado.
Observe-se ainda que o texto da “nota sobre o acúmulo de bolsa e vínculo
empregatício” faz referência à relevância do vínculo empregatício quando
consequência da sua pesquisa, no entanto há de ser observado que o início da
pesquisa, na maior parte das vezes, é anterior à concessão das bolsas, portanto
o dado cronológico não deve ser o único a ser levado em consideração neste
caso. Afinal, se o candidato à bolsa precisar exercer atividade remunerada
correlacionada com o tema da sua pesquisa e inicia esta atividade após o início
do curso de pós-graduação, mas antes da concessão da bolsa, não faz sentido que
seja punido com base no critério referente ao vínculo empregatício anterior à
concessão da mesma. Observe-se que a “Nota de esclarecimento” traz a
obrigatoriedade de o vínculo ser posterior à vigência da bolsa:
A Portaria tem o propósito claro de permitir aos bolsistas da CAPES ou
do CNPq a opção de acumular a bolsa de pós-graduação, níveis mestrado e
doutorado, com um vínculo empregatício remunerado, desde que venha a atuar
profissionalmente na sua área de formação e cujo trabalho seja correlacionado
com o tema da sua dissertação/tese e, portanto, quando tal vínculo empregatício
seja resultante de sua condição de bolsista e como consequência do tipo de
projeto que esteja desenvolvendo.
Observe-se que a resolução que contradiz a entrevista do presidente da
Capes, Jorge Almeida Guimarães, foi emitida pela diretora substituta de
programas e bolsas no país, Zena Martins, da Capes, no dia 02 de maio do
corrente ano, ou seja, dez meses depois da criação da referida Portaria. Aparentemente,
a interpretação dada por Zena a respeito da nota de esclarecimento à Portaria é
a única que dá ênfase total ao fato do bolsista possuir vínculo anterior à
concessão da bolsa. Por exemplo: se a pesquisa exige, de alguma forma, a
atuação em sala de aula e em consequência disso o pós-graduando comece a
trabalhar numa instituição básica de ensino – que é, frise-se, “uma das áreas
estratégicas nas quais é academicamente desejável a maior aproximação do
pós-graduando com o mercado” – após a solicitação da bolsa, mas antes da
vigência da mesma, o pós-graduando deve perder, automaticamente, o direito de
obter essa bolsa? Mas se ele assume a condição de bolsista hoje e amanhã é
chamado para assumir vaga num concurso que prestou em 2009 o direito de acúmulo
está assegurado. Isso faz sentido?
Menos sentido ainda é que um professor que trabalha em sala de aula e que
tenha desenvolvido um projeto de pesquisa devido à sua atuação em sala de aula
e que necessite de sua atuação junto aos alunos seja impedido de fazer uma
pós-graduação com o auxílio de uma bolsa de pesquisa por já possuir vínculo.
Afinal de contas, nestes casos, o vínculo é diretamente responsável pelo
projeto de pesquisa. E esses professores, que dão o melhor de si na atuação em
escolas públicas e que conseguiram, devido às suas altas notas, entrar numa
pós-graduação e obter uma bolsa de mestrado ou doutorado estão sendo punidos por
serem os melhores? Faz-se necessário buscar esclarecimento a respeito deste ponto específico
junto às agências de fomento: por que não é possível que o bolsista tenha
vínculo com instituições de educação básica de ensino público? Será que são profissionais que não interessam às mesmas?
Rhea
Sílvia Willmer
Doutoranda em Letras Vernáculas
pela UFRJ, bolsista Cnpq e professora de português numa “escola do amanhã” na
Rede Municipal de Ensino do Rio de Janeiro.